(A espera de um Anjo ,escutando Bach em uma Quarta-feira de Cinzas)
Toca o violino que emudeceu um dia.Desafinado mas insiste o tocador em sua lembrança.Não é musico ,apenas nostálgico.Nada senão alguém em espera preso ao tempo ,olhando o vazio enquanto as notas seguem falhas ,em be mol e o dedo inseguro na paleta e na corda rija fazendo o tom mais triste e grave .
Andante in concerto para violino en fá maior
Largo ma non tanto violino em ré menor
Solitário atravessando em sua saudade o tempo. Tantas saudades enquanto olhando ao Oeste espera um plainar de um Anjo, mas seguem-se as horas enquanto decai em sua espera.
Cinzas.
Para um bom ouvido apenas ouvinte. Apenas ouvinte enquanto não se atem a memória dos festejos ,mas sim ao silêncio o qual impera na casa.
Mais um ano. E por esta razão e mais outras ,mais alguns anos.De denodo, insônia, letargia e silêncio.Na ânsia por um riso.Na espera por um abraço. Mas apenas as paredes, as mesmas velhas paredes que contam o tempo, podem abraçá-lo.As mesmas paredes que cedem ao tempo cada vez mais rudes, mais escurecidas presas pela progressão dos anos mais cinzas , em coro com o silêncio no minguo espaço apenas para proferir quase inaudíveis sinfonias direto ao coração o qual responde ao silêncio e a falta de cor sob o micro clima que estaciona. Culpa remorso ou apenas saudade. Mas pouco adianta, enquanto ao mundo prossegue, no marasmo sob os dias, em semi penumbra e ali, na impossibilidade de retornar e viver um outro momento. Apenas passivo, numa reflexão sem retorno, apenas aspirando a secura do ar que se rarefazia.
E o que seria bem quisto? Senão um momento para si ,mas que não fosse subtendido como egoísmo . Não queria sentir pena de si mesmo,mas todavia não suportava mais aquele silencio e ânsia Desejava deixar de sentir a marca do passado e olhar ao lado e ter um abraço.O abraço que esperara em vão desde aquele fatídico dia ,anos atrás. Esperava uma voz, um abraço ,mesmo distante , mas cabia senão apenas esperar. Enquanto que as horas vagarosas daquele dia passavam sobre o mar do silencio e as vagas assoprando lhe poeira sobre si e sua vida.
Doce parecia ser o amanhã. Sempre continuo, lugar o qual se pode adiar todas as decisões e o grande medo de enfrentar o vazio .Difícil explicar ,mas embora ainda em convívio ,sentia-se sozinho .E como ela tantas vezes pedira , que um Anjo,intercedesse por ele quando deixasse a todos e ele então estivesse sozinho. Mas nisto estava a relação de coisas em que se encontrava inocuamente esquecido, afeito apenas à lembranças, sem te-las como dividir, tampouco a sensação de tristeza e fardo que trazia consigo.O Anjo ,dele não sabia. Nem cabia pedir ajuda , por que olhava a outros, num vôo a uma outra procura distante.
Valão dos Milagres .Seis meses depois o registro. Mas não era canceriana .sim, pisciana. Serva sofredora como o epíteto em que a mesma aclamava em seus momentos de doença. De uma segunda de chuva em meio a ventania. “Sheni” como acusavam a velha ter proferido em sua loucura. ‘Geni’ , em rápida interpretação a santa católica.
Órfã cedo .Vieram também a Varíola,um acidente, uma paralisia de dois terços de década, reabilitação e êxodo.Décadas depois viria a se casar e contrariando diagnósticos, a ter também um filho.
Agora deixara a casa para então reinar o silencio .Silencio apenas quebrantado por uma espera em que em um dia o renovo visse a uma vez mais contemplar o que fora família.Saudade das tardes quando sob escaldante calor a casa abafada ficava com o filho ao chão da sala. Escutando um aparelho Rádio Am. As músicas mais antigas e do Brasil caipira também.Era a saudade do interior bucólico da infância que acima das moléstias permeava se de historias,casas antigas, bichos,matos e muitos familiares e conhecidos.Ao rádio programas de auditórios, músicas, serestas, violas e a Mpb inundavam aquelas tardes enquanto costurava alguma roupa ,preparava a comida ou tecia comentários a respeito ao que do radialista .Podia agora escutar o ecoar de varias seqüências musicais, principalmente aquela”Concerto para uma só voz” do cancioneiro Jessé ou atendo se as paredes dos cômodos, uma vez mais Bach em suas notas difusas, como dispusse –se a narrar toda uma rede de trajetórias de vidas e agora o crível silencio.
Saudade dos abraços.E mesmo de quando ralhava . Sua preocupação jamais como de outra. E mesmo em dias tensos e de enfermidade ainda erguia-se insistindo para cuidar da família .Pudesse juntar a todos numa foto, tal como ilustrava uma gravura à sua paleta e a tintas simples... Todos os rostos lado a lado num abraço único.Os esperados ou já vindos e os que já tinham partido. Numa imagem explícitos para a memória ,
numa quebra da regra do lugar ,tempo e espaço.
Saudade, saudade
Por que fostes da minha vida
Ainda quando nem mesmo tinha começado a viver a minha
Fizestes as tardes agora serem mais vazias,
O sol mais forte ou os dias de chuva mais silenciosos ,
Sob o impacto da falta de companhia.
Na faculdade, no trabalho, em qualquer canto ou dia...
Mas agora ainda mais
Enganastes-me
Dizendo que só deixarias-me quando não mais estivesse sozinho.
Mas ainda sigo em tal procura
Uma parte de mim já tendo partido e a outra em busca ou espera
Mas jamais algo encontrando...
Enquanto esperei lá, naquele fatídico dia carregando seu ataúde.Esperando um abraço que me confortasse e como temi, ainda até hoje sinto falta deste abraço
E segues
Singra agora a Olam HaEmet. Ao mundo da verdade ,deixando sua pousada e aqui as lembranças.Seu rosto, seus retratos que o tempo insiste em quere apaga-los e esta dor. Tão forte que ainda assim me é a marca de que nunca a tenho esquecido mãe.
Hoje seria mais um dos teus dias.Seria o teu ‘conta anos’ como ironicamente dizias. E tarde fui perceber que a cada gota caída ,seria à ti uma gota a menos de vida.Em vão tentei mante-las em minhas mãos aparando-nas .Em vão, em vão .Tentei na segurar junto comigo, mas falhei ,escorreram ,gota a gota, por entre meus dedos, fugiram de mim tomadas pelo tempo ,enquanto deixaram só este peso ,esta falibilidade dos meus atos e ações. E assim guardar o que só posso dizer a mim mesmo porque não há com que dividir este sentimento, esta culpa este remorso, posto que,se soubesses que a cada ano que passava ,tu ,mais um pouco partias e deixava-nos a cada instante , muito mais teria sido um filho.
De São Fidélis para o descanso . Ao breu do silencio ,ao destino nas mãos daquele que a criou. Sepultas sua presença calando-se. A sensação deixada por dentre as alamedas e as tumbas velhas de cores decaídas. Agora ao pó. Nada senão apenas ossos .Do pó para ao pó retornastes para completar o ciclo, aqui, enquanto a alma prossegue na vontade do Criador do mundo, também em silencio, em silencio profundo quebrantado apenas por este desabafo.
“Caminhas,
Caminhas, agora apenas memória.
Agora em silencio pelas alas de cimento cru e sem vida.
Caminhas
Caminhas, quando no dia foi trazida .inerte,sob repouso
Para sobre o corcel do vento, prosseguir.
Em viagem ou destino
E guiar-se para as nuvens do silêncio.
Calando se ao mundo
Deixando par, filho e saudades.
Agora apenas memória
Apenas memória
Fotos apagadas, vozes as quais se ouve às vezes num canto
E nada mais
Nada além de passado
Para agora,
À procura nada mais encontrar
Por entre as paredes, corredores frios e esquecidos
Pelas alas semi-intocadas, esquecidas
Apenas visitadas pela poeira e chuva .
Junto ao ar ,o fagueiro transeunte aspergindo saudade,Saudade e lembranças dos que dormem sem nome
(...)
Saudade
Saudade
Enquanto deixastes a casa
E fostes embora
Precisávamos de ti .
Não queríamos deixa-la partir seguir embora
Mas fostes para sempre
Em silencio como o de agora...
Pedi ainda para que ficasse por mais um pouco
Mas como sempre ,algo além do meu inútil esforço
Fostes em um instante e sem deixar qualquer palavra
E agora
Estamos apenas a sós.
Em silencio
Eu, o pai e o irmão.” - ‘A’
E naquela espera ,olhando ao Oeste ,aonde estava o Anjo, senão distante ?